Entrevista | Beatriz Meinberg
Beatriz Meinberg é dubladora, atriz, locutora e professora de locução.
Beatriz Meinberg é uma das vozes mais conhecidas no mundo da dublagem. Entre seus trabalhos mais conhecidos, estão Freya, de God of War; Kate (Chrissy Metz) em This is Us; e Joanna (Jayma Mays) em Bill & Ted: Encare a Música.
Além de dublar, Beatriz é atriz, locutora e montou um curso para formar novas vozes para o mercado brasileiro de dublagem.
Em entrevista exclusiva conosco, Beatriz comenta sobre a inteligência artificial, sua carreira e o futuro da indústria no Brasil.
- O trabalho com voz, seja dublagem, locução ou narração, é fundamental para o cenário audiovisual. Quais foram as principais mudanças que você, como profissional, percebeu ao longo desses últimos anos?
Na verdade, essa pergunta é bem recorrente e tem uma resposta bem simples: o COVID – 19. O advento da pandemia ocasionou profundas alterações na rotina dos profissionais da voz. Certamente, a principal mudança foi a inclusão do home office (ou home studio, no caso dos dubladores, cantores e locutores) como parte do “pacote oficial” da profissão. Hoje em dia, infelizmente quem ainda não montou o seu próprio estúdio em casa, corre o risco de perder alguns trabalhos.
- A inteligência artificial está em pauta em diferentes cenários da indústria, sendo um dos pontos fundamentais das greves de roteiristas e atores em Hollywood. O que você acredita que seja a estratégia para lidar com o advento da tecnologia, sem penalizar o trabalho dos dubladores (principalmente com a facilidade de modular e imitar vozes na ferramenta)?
De fato, esse é um tema e tanto! E a realidade é que ninguém possui uma resposta definitiva até o presente momento. Muito se discute sobre os impactos que a Inteligência Artificial pode ter na indústria do entretenimento, mas ainda não temos um cenário claro pela frente. Ela já vem tirando o trabalho de muitos artistas, não só atores e dubladores, que podem ter suas imagens e vozes literalmente “roubadas” pela IA, mas também é possível ver o quanto ela já atrapalhou o mercado dos roteiristas e dos artistas visuais, por exemplo. No fim das contas, eu realmente acredito que o momento atual não passa de uma fase extremamente acalorada e cheia de angústias. Porém, sem sombra de dúvida, o mercado perceberá qual é o espaço que a IA irá ocupar e qual lugar que é (e sempre será) do artista. Acontece que o ser humano, com todas as suas falhas e imperfeições, sempre será, em termos artísticos, infinitamente superior a IA. Apesar de tecnicamente atrativa, a tecnologia demonstrará ser incapaz de atingir a mesma profundidade da alma de uma pessoa real. E isso, na verdade, é algo que o público já consegue constatar, por maiores e melhores que sejam os avanços dessa tecnologia.
- Você acredita que a IA possa ser utilizada para ajudar profissionais a longo prazo? Os profissionais poderiam aprender a utilizar a ferramenta em algumas situações?
Claro que sim. Recentemente tivemos o exemplo da mais “nova” (se é que podemos chamar assim) música dos Beatles “Now and Then”, remasterizada pela empresa neozelandesa WETA Workshop, do famoso diretor de cinema Peter Jackson. Só foi possível resgatar essa faixa, que estava gravada em uma fita K7 demo, devido ao uso da Inteligência Artificial, por meio de Machine Learning. Ou seja, a tecnologia também é capaz de humanizar processos artísticos, por mais paradoxal que isso possa parecer.
- Quais são os pontos-chave para fazer o público compreender a importância da dublagem na indústria?
Antes de mais nada, quando falamos de Dublagem estamos falando de inclusão, e isso muito antes deste assunto ser pauta quase que obrigatória nos principais veículos de comunicação, como acontece nos dias de hoje. Antes de sair criticando todo e qualquer tipo de conteúdo dublado, temos que levar em consideração que grande parte do público não está familiarizado com idiomas estrangeiros ou sequer consegue acompanhar com a rapidez necessária as legendas de um filme. Nesse contexto, é importante ressaltar que a Dublagem acolhe a criança, o idoso, o indivíduo em processo de alfabetização e, sobretudo, o deficiente visual.
- A dublagem brasileira se tornou um símbolo para além da audiência brasileira. O que você acredita ser o triunfo do reconhecimento da dublagem do Brasil?
Com certeza a criatividade e a “ginga” que só a voz falada em português do Brasil pode transmitir. Prova disso é que muitos países lusófonos, ou seja, países que também adotam o português como idioma oficial, principalmente no continente africano, preferem a dublagem feita em português do Brasil. Muitas novelas, em sua maioria mexicanas e turcas, são exibidas em canais de TV aberta, como a emissora africana Zap, que dubla quase todo o seu conteúdo de teledramaturgia com dubladores brasileiros.
- O que acredita ser necessário para manter a excelência com o número significativo de produções atuais? Como equilibrar com demanda do público pelo conteúdo?
Essa é uma excelente questão. Nunca houve tanta demanda por conteúdo dublado. Pesquisas realizadas na década de 2000 confirmaram a predileção do público brasileiro pela dublagem em detrimento das legendas. Com exceção de períodos muito específicos como a já citada pandemia e a mais recente greve em Hollywood, a Dublagem tem acontecido a todo vapor. Desde então, basta observar que quase todo o conteúdo de TV, seja aberta ou a cabo, é exibido com dublagem em português. Na verdade, esse aumento de volume se deve mais especificamente aos streamings, que multiplicaram a produção de conteúdo. O lado ruim desta alta demanda é que acabamos trabalhando em um ritmo totalmente industrial, em muitos casos, quase desumano. E de fato, aí temos uma diferença substancial em relação aos tempos de “Versão Brasileira Herbert Richers” (quem não lembra dessa voz icônica no início de todos os filmes, não é mesmo?). Naquela época, as produções se concentravam quase que exclusivamente nos filmes que eram dublados para a TV aberta e podiam ser realizados com prazos de entrega mais adequados e com um nível maior de atenção aos detalhes. Por outro lado, é um cenário favorável para novos dubladores ingressarem no mercado que vai, cada vez mais, precisar de novos talentos para suprir tantas produções de títulos recém-chegados. Quer dizer, isso se a IA permitir, é claro. (risos) Por isso mesmo, abro turmas novas frequentemente no meu curso online “A Magia da Dublagem”. A ideia é formar a nova geração de dubladores do Brasil.
- O que te inspirou a iniciar na dublagem?
Essa é uma longa história (risos). Sempre gostei das artes como um todo, desde pequena já me interessava por instrumentos musicais, aprendi cedo a tocar violão, falar inglês, participava de todas as atividades artísticas da escola como coral e teatro. A Dublagem veio como uma consequência do meu amor por Teatro e Cinema. Eu gostava muito de alguns trabalhos de dubladores como Flávio Dias (O Mundo de Beakman) e principalmente Guilherme Briggs (Freakazoid), mas eu nunca fui uma “enciclopédia” sobre Dublagem como muitos jovens hoje em dia são (risos). Sabia o nome de poucos dubladores e só. Achava a Dublagem um meio muito fechado e nunca achei que pudesse participar disso, mesmo já tendo me tornado atriz. Eu realmente não sabia como alguém se tornava dublador. Até que um dia, eu vi um anúncio no metrô com os dizeres “Venha se tornar dublador no nosso curso e receba o DRT”. Achei aquilo muito curioso e foi lá que comecei minha jornada oficialmente na Dublagem.
- Quais produções que participou que mais te marcaram até o momento? É possível escolher entre tantas envolvendo cinema, TV e games?
Com certeza os meus trabalhos mais conhecidos são a Mãe Miranda (no game “Resident Evil Village”) e a Kate (na série de TV “This is Us”). Mas sem sombra de dúvida, a personagem pela qual sou mais reconhecida é a Deusa Freya (God of War e God of War Ragnarok). Posso afirmar tranquilamente que me destaco bastante na área da Dublagem de Games, pois sou muito chamada para fazer a localização de importantes jogos como Fortnite e Call of Duty. Mas curiosamente o que mais gosto de dublar são novelas, de preferência mexicanas ou turcas. Adoro um “dramalhão” (risos).
- Existe algum livro, podcast, vídeo, que indique para aqueles que queiram saber mais sobre dublagem ou como entender melhor a arte da voz no geral?
A minha dica não poderia deixar de ser o livro “Versão Brasileira” do grande dublador Nelson Machado, imortalizado pela voz do Kiko em Chaves, Robert de Niro, Robin Willians, o Boneco Chucky, entre outros. O livro está disponível em formato Kindle pela Amazon. Outra fonte riquíssima de informação é o meu curso “A Magia da Dublagem”, que possui um conteúdo exclusivo em que eu ensino o aluno a dublar, mesmo de forma remota. As lives acontecem todo sábado, com interação total entre os alunos. Eles aprendem desde a História da Dublagem até conceitos bem práticos como a técnica das “três passadas”.
- Existe alguma particularidade interessante, alguma diferença, ou algo que julgue fascinante envolvendo a dublagem de produções asiáticas, principalmente animes?
Excelente pergunta! É sempre um desafio dublar línguas exóticas, ou seja, qualquer uma que não seja o familiar inglês ao qual estamos tanto habituados, não é mesmo? (risos) Dublar conteúdos asiáticos como os animes é um desafio e tanto, porque independentemente de você estar ou não familiarizado com aquela cultura, o choque é total. Os japoneses, por exemplo, podem soltar gritos estridentes a qualquer momento durante uma cena de animação. E você, como dublador, tem que adaptar aquilo pra deixar “plausível” em português. Outro exemplo são as produções indianas, em que uma das características do idioma é que geralmente é falado em um tom de voz agudo (comparado ao português) e com muitas pausas entre as sílabas. Outro dia dublei um filme indiano, onde a protagonista era uma advogada defendendo uma importante causa. Eram tantas pausas entre as palavras que para mim ela não estava passando credibilidade alguma! (risos) Soava sempre tímida e hesitante. Tive que adaptar muito para fazer a personagem transparecer a credibilidade que a advogada do filme de fato possuía.
- Quem te inspira na dublagem hoje? Quais os próximos passos que quer dar em sua carreira?
É incrível poder atuar ao lado de pessoas que você “ouviu” a vida toda! Até hoje não acredito que trabalho ao lado dos meus heróis da infância. Minha inspiração é sempre a minha grande professora Márcia Gomes (Gato Félix), uma verdadeira “primeira dama” da dublagem paulista que começou sua carreira na Rádio Novela. Fátima Mourão (Olivia Palito) é outro gênio da dublagem a quem tenho a honra de chamar de amiga e de parceira profissional, já que temos um curso de dublagem em parceria pela nima Filmes, estúdio de Dublagem coordenado por ela, em Brasília. Porém, devo citar que minhas referências mais recentes seriam a incomparável Carol Valença (One Piece) e o incrível Rafael Rossato (Guardiões da Galáxia), ambos destaques gigantes dessa geração mais atual de dubladores. Os próximos passos com certeza estarão relacionados à minha faceta mais empreendedora, como o lançamento de novas turmas do meu curso (que também contará com o formato presencial no ano que vem) e a intensificação de parcerias com estúdios de todo o Brasil.
Beatriz Meinberg
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