Autora e roteirista, Bia Crespo escreveu “Eu, Minha Crush e Minha Irmã” e, recentemente, lançou “A Namorada do Meu Primo”.
Bia Crespo é um dos nomes em ascensão do roteiro audiovisual e na literatura jovem no Brasil, principalmente por trazer histórias LGBTQIA+ para as telas e as páginas.
Entre seus trabalhos na TV e no cinema, estão “Meus 15 Anos”, filme lançado em 2017 com Larissa Manoela, que levou mais de 800 mil pessoas aos cinemas; “A Sogra Perfeita” (2020) e “10 Horas Para o Natal” (2020), vencedor do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro e o Prêmio ABRA de Roteiro 2021, além de participar de roteiros das três temporadas de “Rensga Hits!“, do Globoplay, cuja segunda temporada deverá chegar este ano ao catálogo da plataforma de streaming. Em 2024, deverá lançar os longas-metragens “Férias Trocadas” e “Caindo na Real”, além de estar desenvolvendo novo projeto para o Prime Video e seu primeiro trabalho como diretora.
Abaixo, confira uma entrevista exclusiva com Bia Crespo sobre sua carreira como roteirista e autora.
Como foi seu início na indústria? O que te atraiu e continua te atraindo para contar histórias tão diferentes?
Comecei a fazer filmes ainda na adolescência, quando ganhei uma câmera mini-DV no meu aniversário de 15 anos. Filmava os trabalhos da escola em forma de curta-metragem com meus colegas atuando. Eu fazia tudo: roteiro, direção, edição… Foi um ótimo aprendizado. Quando iniciei a graduação em Audiovisual, percebi que era um mercado muito fechado. Comecei a trabalhar como assistente de produção, cuidando da parte logística das filmagens. Mas não teve jeito: eu queria contar minhas histórias. Sempre gostei de comédia brasileira, da nossa cultura pop, nossos memes, nossas referências. Adoro estar em um cinema cheio de gente dando risada. E foi assim que migrei para área de roteiro, onde estou há quase 8 anos. Além das comédias, gosto de contar histórias com protagonismo feminino, especialmente LGBTQIAP+.
Você possui uma mescla interessante de trabalhos na TV e no cinema. Quais os desafios dentro desses projetos?
Escrever para TV ou streaming é um pouco mais fácil porque é colaborativo. Ainda que dê mais trabalho elaborar as tramas de uma série do que de um filme, tem mais gente pensando junto. O roteiro de cinema é bem mais solitário, a responsabilidade é maior. O grande obstáculo de qualquer obra audiovisual brasileira é o orçamento, afinal não temos financiamento de grandes estúdios como acontece com os filmes norte-americanos, por exemplo. É muito difícil competir com essas mega produções, ainda que nossas histórias sejam poderosas.
Quais os caminhos para que histórias LGBTQIA+ sejam cada vez mais contadas no audiovisual, sem que caiam em situações de esquecimento ou apagamento, por diretrizes cada vez mais preconceituosas em emissoras ou plataformas?
Estamos passando por um período complicado para tramas LGBTQIAP+, pois os streamings vem tentando agradar ao público mais abrangente possível para garantir assinaturas. Essa é uma estratégia que se provou equivocada – quanto mais abrangentes são as obras, mais elas passam batido por não falarem com um público específico. As pessoas querem se ver nas telas com toda sua diversidade. Acredito que, aos poucos, voltaremos a fazer obras com inclusão, ainda que não agrade todo mundo. Essa é a graça dos streamings: ter opção para todos os tipos de público.
Quais foram seus primeiros passos como escritora? Como encontrou sua voz dentro da indústria e buscou o caminho da publicação?
Conforme minha carreira como roteirista ia avançando, eu tinha cada vez mais vontade de contar histórias com protagonistas lésbicas como eu. Desenvolvi diversos tipos de projetos para todo tipo de faixa etária e público, mas nenhum deles ia para frente. A verdade é que nosso audiovisual ainda é muito conservador e não quer apostar em coisas minimamente diferentes, por isso repetimos tanto as mesmas fórmulas. Decidi ir para a literatura porque lá pude contar minhas histórias da forma que queria.
Atualmente, “A Namorada do Meu Primo” está no top 10 em e-books de Romance Lésbico da Amazon e no top 15 em LGBTQIA+, e “Eu, Minha Crush e Minha Irmã” possui avaliações altas dos leitores. Qual o sentimento de ter esse reconhecimento, principalmente por ser uma autora brasileira?
A melhor parte é saber que finalmente minhas histórias estão chegando nas pessoas. A parte mais frustrante de ser roteirista é que, na maioria das vezes, meus roteiros não chegam a ser filmados. Publicar histórias tem um retorno imediato do público, uma troca muito mais próxima. Eu escrevo as histórias que gostaria de ler ou de ter lido na minha adolescência. Fico muito feliz em proporcionar aos jovens uma opção de entretenimento leve e divertido com representatividade LGBTQIAP+, cheio de referências da cultura pop brasileira, pois acho que ainda faltam livros desse tipo no mercado.
Quais os desafios em mapear as histórias e personagens? Seus processos de escrita mudaram de um livro para o outro?
Meus livros seguem a mesma estrutura dramática que meus roteiros, então as tramas tem um ritmo rápido e bem definido, pontuadas por viradas e ganchos entre capítulos. A parte mais difícil é criar as personagens com seus conflitos internos, seu modo de pensar e de se expressar, principalmente na parte do diálogo interno – ferramenta que é rara no audiovisual. Acho que essa foi a parte que mais desenvolvi de um livro para o outro, e que tenho prestado atenção para trabalhar ainda mais nas minhas próximas obras.
Por fim, quais os desafios de trazer histórias LGBTQIA+ (principalmente sáficas) para o público? Quais passos precisam ser dados ainda, dentro do Brasil, para que a visibilidade seja maior na literatura?
A literatura está muito à frente do audiovisual nesse sentido, pois não é incomum que livros com protagonismo LGBTQIAP+ cheguem no topo de rankings de vendas. Temos livros de vários gêneros, com personagens variados e tramas para todos os gostos, tanto que não dá mais para categorizá-los apenas como LGBTQIAP+. A literatura brasileira, assim como o audiovisual, sofre com a falta de investimento. Os escritores não recebem quase nada por livro vendido e a maioria tem outros empregos no dia a dia, escrevendo em seu tempo livre. Ainda falta a profissionalização da área, garantindo que autores possam viver de suas histórias. As editoras têm trabalhado nesse sentido, mas cabe aos leitores valorizar nossos livros e evitar piratear obras nacionais, por exemplo.