Críticas | TÁR
“TÁR” estreou hoje, 26, nos cinemas brasileiros.
No começo de dezembro do ano passado, Kanye West disse a frase suprema que costuma acabar com qualquer carreira e enterrar qualquer tipo de opinião boa que pessoas teriam sobre alguém: “Eu vejo coisas boas em Hitler”.
A frase foi dita em um podcast em que seus apresentadores são conhecidos por serem extremistas de direita, e a reação, lógico, foi imediata, com o rapper perdendo literalmente bilhões de dólares em contratos com várias marcas de luxo, entre elas Adidas e Balenciaga – essa última inclusive foi o centro de outra polêmica apenas alguns dias antes do ocorrido no podcast citado.
Kanye West e polêmica sempre andaram juntos desde o começo, tendo dezenas (até arrisco dizer centenas) de casos onde ele foi chamado das mais diversas coisas, muitas delas com razão, e outras nem tanto. Mas alguém com tantos problemas no currículo nunca sobreviveria a tudo isso se ele não se redimisse em seu ofício (ou ofícios). Ele tem discutivelmente a melhor discografia da história do rap, produziu vários clássicos do gênero para outros artistas, foi uma das personalidades mais influentes da moda nas últimas duas décadas, fez turnês memoráveis por sua estética e produção gigantesca, etc.
Diante disso, como agimos se quisermos falar sobre ele?
Uma discussão que sempre vai e volta na internet é o tal do “separar o artista da obra”, mas se a obra é a expressão de uma pessoa, ou um grupo de pessoas, o que ela ou eles sentem, o que ela ou eles vivem e viveram, como ela pode ter valor se você exclui quem a criou?
Por mais que a arte exista a dezenas de milhares de anos e seja um dos motivos do porque nossa espécie se sobressaiu ás outras, muitas pessoas ainda tem a dificuldade de entender que arte é feita por humanos falhos.
Na segunda cena de TÁR, novo filme de Todd Field, a protagonista Lydia Tár, vivida magistralmente por Cate Blanchett, está em um auditório falando com jovens que querem seguir seus passos na música. Em uma aula de fotografia, vemos a figura dela inteira, gigante no centro enquanto os jovens estão sentados atrás, minúsculos perto dela.
Em um momento que ela cita Bach para um deles, ela ouve algo que a choca: “Eu não gosto de Bach”. Intrigada com o que ele falou, ela questiona o porquê, e a resposta a deixa mais inconformada ainda. Ele diz que não gosta de Bach porque ele, como um pansexual, de uma comunidade da qual não lembro o nome, diz que é errado gostar de Bach por ações em sua vida pessoal.
Em um monólogo brilhantemente escrito, dirigido, atuado e fotografado, Lydia Tár esmaga ele até que ele se sinta humilhado, a chame de “vaca” e deixe o auditório. Antes de sair, ainda ouve: “Infelizmente, o arquiteto da sua alma parece ser as mídias sociais”.
Em nenhum de seus 158 minutos o filme transforma sua protagonista em um ídolo perfeito, e nem em uma fraude, mas sim trabalha todos os espectros de uma artista do calibre dela, lembrando estudos de personagem feitos por Paul Thomas Anderson em Sangue Negro (2007), O Mestre (2012) e Trama Fantasma (2017).
Sua obsessão por música é nítida tanto por seus diálogos com amigos, seu modo de trabalhar, sendo minuciosa em cada detalhe e até em outros momentos, como quando ela vai treinar boxe e seus socos ficam ritmados em forma de música.
Em um dos momentos, um amigo dela diz que a genialidade dos músicos está ligada a sua sensibilidade com o som, e nisso, o design de som e o roteiro fazem o trabalho, com diversas vezes ela não conseguindo dormir por estar escutando algum som muito baixo vindo de algum cômodo da casa. Parece que o som dá a ela o maior prazer do mundo, mas também a assombra.
Além da orquestra, ela tenta ser a maestro da vida das pessoas ao redor dela, fazendo coisas escondidas dos outros, que mais tarde se revelam e caem na internet.
É claro que em um retrato tão complexo de uma artista problemática a internet entraria na história. É o lugar aonde mais surgem artistas e onde mais se enterram artistas atualmente. Algumas vezes sendo por causa de narrativas falsas, ou que o grande público apenas não sabe o que realmente aconteceu. Outras sendo mais justas, como em casos indefensáveis de apoio ao nazismo.
Mais do que retratar só uma artista no topo do mundo tendo seu lado ruim descoberto, TÁR é um estudo de como artistas no fim das contas são apenas seres humanos com diversos lados, e assim como o diretor faz, não devemos só olhar um pedaço de um mosaico gigante.
O elenco ainda conta com Noémie Merlant, Nina Hoss, Mark Strong e Sophie Kauer.
TÁR estreou hoje, dia 26 de janeiro, nos cinemas brasileiros.
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