Crítica | Memoria
“Memoria” estreou dia 21 de julho nos cinemas brasileiros e chegou na Mubi Brasil no último dia 5 de agosto.
Eu nunca fui um fã do chamado “slow cinema” mas também confesso que nunca fui atrás de muitas coisas do gênero. Os filmes do filipino Lav Diaz sempre me chamaram a atenção, porém sempre enrolei para ver algum longa-metragem, já que muitas das obras mais aclamadas dele passam das 4 horas de duração.
Memoria, por outro lado, tem 2 horas e 10 minutos de duração, mas que podem parecer uma eternidade para os menos pacientes ou aqueles que podem não estar tão dispostos a embarcar na jornada existencialista que o diretor tailandês Apichatpong Weerasethakul (Tio Boonme, que pode recordar suas vidas passadas) constrói devagar. Beeeeem devagar.
Ele nunca foi conhecido por fazer filmes comuns ou fáceis de serem assistidos – e com Memoria não é nada diferente, tendo vários relatos de pessoas que saíram no meio da projeção. Um amigo foi no cinema e relatou que viu não uma, mas várias pessoas abandonando a sessão durante o longa-metragem, e é perfeitamente compreensível já que não estamos falando de um filme onde o roteiro é desinteressante, ou o ritmo difere um pouco do que Hollywood faz… estamos falando de cenas que duram quase 10 minutos sem nenhum corte, ou movimento de câmera, ou diálogos…
A câmera nunca está perto de Jessica, interpretada pela sempre ótima Tilda Swinton. Ela sempre está posicionada a uma distância em que a protagonista nunca seja maior ou mais importante que alguém ou o ambiente. Ela faz parte do todo; da humanidade e do mundo em que vive.
Todo o trabalho de fotografia, design e mixagem de som são feitos com o objetivo de te absorver lentamente e fazer você se sentir mais pertencente do mundo, da natureza, das pessoas. Em determinado momento, o filme fica em completo silêncio e tudo que podemos ouvir são as folhas das árvores, os animais, o vento, a água. Tudo conversa na proposta e em certo momento tinha até esquecido de que estava assistindo a um filme.
O elemento estranho dessa natureza viva de Memoria é o estrondo que a protagonista ouve e que leva a história para frente, como uma linha bem fina para tratar assuntos gigantescos.
Tudo é sobre pertencer e deixar nossa memória nas pessoas e no mundo em que vivemos: ossos de nossos antepassados que continuam nos dizendo coisas, fotos da infância, uma marca de sangue que secou há muito tempo em um objeto do cotidiano, memórias falsas que criamos para nós mesmos, nossa capacidade de nos conectarmos a outra pessoa através de memórias parecidas, a busca por nós mesmos. Hermann Hesse escreveu no livro Demian (1919) que o sujeito sempre está em busca de si mesmo, e isso tem muito a ver com a jornada de Jessica. Ela não só busca quem ela é e seu lugar no Mundo, mas ela também quer saber sobre quem veio antes dela para tentar entender em qual parte desse todo ela pertence.
No meio de nós e dessa natureza está a tecnologia e as criações do ser humano que busca alterar essa ordem natural. Em uma cena, uma médica receita Xanax para Jessica poder dormir melhor, mas a alerta: o remédio vai tirar toda a capacidade de empatia dela, com isso ela não vai aproveitar as alegrias e nem vai sentir as tristezas desse mundo. Logo depois ela recomenda a paciente buscar a ajuda de Jesus Cristo.
Tudo em Memoria é sobre pertencer e isso é construído com todos os aspectos conversando entre si para criar a experiência mais imersiva possível. Uma das melhores experiências que o cinema me proporcionou esse ano. Ser tão desafiado por um filme e sair sentindo fazer parte de um todo. Filmaço.
Memoria estreou em 21 de julho nos cinemas brasileiros e está disponível desde 5 de agosto pela Mubi.
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