Crítica | The Beatles – Get Back

Peter Jackson reescreve último ano dos Beatles em um documentário cru e impecável.

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“The Beatles – Get Back” está disponível pelo Disney+. (Foto: Reprodução)

Durante os anos ouvi dezenas de histórias sobre o quarteto de Liverpool. Desde a de que Paul McCartney cantou “Get Back” olhando fixamente para Yoko Ono no terraço como se estivesse dando um recado para ela com a letra da música até a de que a banda começou a se odiar nas gravações do álbum que leva o nome da banda, o famoso “Álbum Branco”, de 1968, e seguiu assim até o fim, em 1970.

The Beatles – Get Back, novo documentário dirigido por Peter Jackson (O Senhor dos Anéis) praticamente reescreve a história da qual conhecíamos e mostra as relações de Paul McCartney, John Lennon, George Harrisson e Ringo Starr como nunca havíamos visto.

Com certeza 8 horas de duração pode afastar quem não é muito chegado à banda, mas é um prazer imenso para os fãs. Não tem narração, nem uma edição rápida, nem passagens de tempo abruptas e nem entrevistas. Só quatro pessoas em uma sala, cercados de produtores e com um dinheiro quase ilimitado para gravar músicas e fazer um show. E como essas quatro pessoas são os Beatles, o que se vê são inúmeras imagens inacreditáveis de clássicos amados até hoje sendo criados, às vezes em minutos.

Na mais incrível delas, Paul pega seu baixo e começa a tocar algumas notas, aparentemente sem uma ideia concreta. Em alguns segundos ele começa a murmurar uma melodia ainda sem letra, vai acertando as notas de baixo e de repente um refrão começa a nascer: “Get Back, Get Back, Get Back…”. É o registro em vídeo de um gênio criando um clássico. Me fez lembrar “O Mistério de Picasso”, documentário francês de 1956 dirigido por Henri-Georges Clouzot que mostra Pablo Picasso pintando 20 obras diretamente para a câmera.

A naturalidade de como as canções icônicas da banda são criadas é algo surreal. Certa manhã Paul diz que andou fazendo algumas na noite anterior e ele simplesmente mostra Let it Be, Golden Slumbers e outras para seus parceiros.

Noventa e nove por cento dos artistas não fazem em uma carreira o que McCartney fez em uma noite. E não só ele. George mostra o início do que viraria “Something”, John insiste na ideia de “Don´t Let Me Down” e vemos um Ringo empolgado no piano mostrando para George “Octopus Garden”.

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“The Beatles – Get Back” (Foto: Reprodução)

Mas não é só a música que faz a série ser especial, a relação cotidiana entre eles é algo inédito. Vemos eles brincando, discutindo, ficando confusos com o rumo do projeto, resolvendo conflitos entre eles e até brincando com o que a imprensa diz sobre eles.

Em certo momento George deixa a banda e passa uns dias sem ir para o estúdio e quando ele volta tem um jornal dizendo que ele e Jonh Lennon trocaram socos. Eles riem, brincam e logo John e George fingem trocar socos.

Em outro momento eles falam sobre a famosa viagem para a Índia, onde Ringo revela que não gostava de lá e Paul reflete sobre eles não terem sido eles mesmos durante a viagem, mostrando arrependimento.

Vemos Ringo brincando com a afilhada de Paul, Paul e John cantando “Two of Us” sem abrir a boca, Yoko Ono gritando no microfone, Linda McCartney tirando fotos, os quatro conversando sobre notícias, personalidades, falando sobre outras bandas e até Peter Sellers passando para dar um oi.

Esses pequenos momentos derrubam o que era contado sobre eles se odiarem durante as gravações de Let it Be e Abbey Road e nem olharem na cara um do outro. Existem brigas, mas elas são resolvidas no diálogo e em certo momento (gravado escondido) Paul e John até admitem que não trataram George da forma que deveria.

Apesar dessas crises, tudo parece dar certo para a banda. Justamente quando eles estão perdendo o foco, Billy Preston, tecladista e amigo da banda aparece e muda todo o clima do lugar, dando foco ao quarteto e gravando muitas das faixas com o grupo.

O clímax do documentário é o icônico show no terraço interditado pela polícia e acabou sendo a última apresentação ao vivo dos Beatles. Vemos por diversos ângulos ao mesmo tempo, em uma edição dinâmica em forma de grade, com entrevistas com as pessoas da rua, os policiais chegando, os bastidores do show e a confusão que causou. 

Com Get Back, Peter Jackson dá um passo a mais na sua jornada de recontar histórias que começou em “Eles Não Envelhecerão”, documentário de 2018 que apresenta a Primeira Guerra Mundial com imagens restauradas e coloridas digitalmente.

Depois de tudo, uma coisa fica clara no final: os Beatles estavam sem rumo em 1969, compreensivelmente. Com pouco mais de 18 anos de idade, e em um período de 10 anos, eles montaram o grupo mais popular da história da música, conquistaram fama, dinheiro, rodaram o mundo e fizeram filmes. Quando tudo isso cansou eles se aposentaram dos palcos e focaram nos álbuns de estúdio, criando novas formas de gravar música e conceberam os álbuns mais revolucionários da época e que a influência é sentida até hoje, mas isso se tornou repetitivo para eles.

The Beatles – Get Back é o retrato mais fiel do último ano produtivo da maior banda da história: Paul, John, George e Ringo estavam confusos, mas unidos.

The Beatles – Get Back está disponível pelo Disney+.


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Lucas Vinícius

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